Cartas aos nossos empreendedores

Como o pensamento independente expande a fronteira do que é possível

Foto de perfil do Rapha Avellar.

Rapha Avellar | 21 de Agosto, 2021

Um homem fazendo brainstorming.

Acredito que boa parte de vocês não saiba, mas estou indo ficar 40 dias fora do Brasil. Estamos indo para o México e Estado Unidos em busca de benchmarks de tecnologia, martechs, DNVBs, investidores, talentos, empresas para adquirirmos e muito mais (como sempre, somos nós fazendo coisas que ninguém mais em nosso mercado está olhando de perto).

O objetivo é um só: expandir as fronteiras do que é possível para nossa empresa, para a Adventures. Nossa ambição global e sonho grande vivem mais fortes do que nunca.

Por "n" motivos essa semana foi de muita reflexão para mim. Curiosamente, um dos temas para o qual eu voltava sempre era a jornada incrível que estamos vivendo. Alguns de nós desde a Avellar, outros mais recentes a partir da Adventures, mas fato é que independente do ponto de partida é tudo muito recente.

Ao mesmo tempo é impressionante ver o que estamos aos poucos construindo, os empreendedores e empreendedoras que reunimos em nossa empresa, as conversas relevantes que trouxemos para as indústrias que tocamos e as inovações radicais em modelo de negócio que estamos propondo para o centro de negócios de criatividade e tecnologia como os nossos.

Tudo isso me provocou a estudar e refletir muito sobre um de nossos princípios: Pensamento Independente.

Pessoalmente, sempre fui um outsider em todos os mercados por onde passei, seja trabalhando com física nuclear na Lince, em educação na Cria ou em tecnologia e criatividade na Adventures. E sinceramente acho que isso sempre foi uma enorme vantagem.

À medida que eu me aprofundava no tema fui encontrando correlações, pesquisas e histórias incríveis. Acredito que são reflexões valiosas para nós como empresa e por isso gostaria de compartilhá-las aqui com todos.

Não somos os primeiros nem seremos os últimos a provocar movimentos nos alicerces de como um mercado se organiza e em como as pessoas fazem as coisas. De vez em quando, surge um estranho com uma nova visão ou uma nova maneira de fazer as coisas que revoluciona um campo científico, uma indústria ou uma cultura. Veja o caso de Katalin Karikó, que desafiou todas as probabilidades para ser a pioneira da tecnologia de RNA que, em última análise, deu ao mundo as vacinas Covid-19 em tempo recorde. Filha de um açougueiro e criada em uma pequena casa no antigo bloco oriental sem água corrente ou geladeira, Karikó começou a trabalhar com RNA como estudante na Hungria, mas se mudou para os Estados Unidos quando tinha quase 30 anos. Por décadas, ela enfrentou rejeição após rejeição, o desprezo dos colegas e até mesmo a ameaça de deportação. Ainda hoje, o trabalho fundamental de Karikó em RNA está no cerne das vacinas desenvolvidas pela BioNTech/Pfizer e Moderna, e muitos pesquisadores agora estão pedindo que ela seja laureada com o Prêmio Nobel.

Como essas coisas acontecem? Será que existe algum padrão que se repete? Fato é que encontrei muita coisa interessante. Pesquisas que contam com uma mistura de técnicas qualitativas, análise de grandes conjuntos de dados históricos. Descobri basicamente 5 fatores que explicam o sucesso de pessoas "de fora" como Karikó. Esses fatores não precisam ser concomitantes e nenhum é necessário, mas cada um aumenta substancialmente as chances de que um forasteiro surja e sua inovação tenha um grande impacto.

1. Outsiders não são outliers.

As pesquisas sugerem que sucessos como o de Karikó ocorrem não apesar do status outsider, mas por causa dele. Estando menos vinculados às normas e padrões aos quais os aceitos se conformam, estes "estranhos" reconhecem soluções que escapam à atenção das mentes mais tradicionais. Ainda assim, o paradoxo é que a mesma posição social que dá a quem está de fora a perspectiva de buscar projetos criativos também restringe sua capacidade de obter apoio e reconhecimento por suas inovações. Então... como as inovações de estrangeiros como Karikó ganham força?

Pessoas de fora normalmente inovam agindo com base em percepções e experiências que são novas para o contexto em que entram, mas familiares ao contexto de onde vêm. Considere Coco Chanel, a filha ilegítima de uma lavadeira e de um mercado ambulante. Abandonada e criada por freiras em um orfanato, ela encontrou neste contexto humilde a inspiração original para alguns de seus conceitos de design mais icônicos. Por exemplo, sua proverbial predileção por preto e branco é geralmente atribuída à sua exposição prolongada às cores dos uniformes do orfanato e das túnicas das freiras. Até o distinto logotipo da Chanel foi uma ideia que ela teve de um simples vitral de seu orfanato, a Abadia de Aubazine.

Você poderia pensar que pessoas de fora bem-sucedidas como Karikó e Chanel são discrepâncias estatísticas, mas descobri que este não é realmente o caso: em um dos estudos, com 12.000 profissionais de Hollywood para explorar se o sucesso criativo está concentrado no centro do sistema ou em suas margens. O que descobri me surpreendeu: os artistas de maior sucesso não eram aqueles na extrema periferia da rede, os "renegados da raça humana" - para pegar emprestado um rótulo cunhado por Don Valentine, o capitalista de risco pioneiro que criou a Sequoia Capital, para descrever Steve Jobs, quando o conheceu no final dos anos 1970. Mas também não eram “o centro da rede” no coração de sua indústria. Os outsiders não eram outliers: este estudo mostrou que a probabilidade de sucesso criativo era maior em uma zona de fronteira entre o centro e a periferia, por artistas que pertencem ao sistema, mas não perderam o contato com os seus limites.

O acesso ao centro fornece legitimidade, enquanto a exposição à periferia oferece novidades. A combinação de legitimidade e novidade produz impacto. Estatisticamente, as pessoas com maior probabilidade de sucesso eram aquelas que mantiveram um pé em Hollywood (onde poderiam alavancar recursos, conexões e legitimidade) e o outro pé no limite (onde encontrariam pessoas, lugares e hábitos desconhecidos).

2. Atrás de cada Steve Jobs está um Mike Markkula, um campeão interno.

Pensar como um estranho pode ter vantagens, mas praticar o caminho do estranho é complicado. Sei disso na pele, é a história da minha vida. Pessoas de fora são estranhas. Eles não ocupam cargos de elite, têm recursos limitados e não têm as credenciais de pessoas mais bem conectadas, cujas teorias ou práticas estão desafiando. Não é de surpreender que muitas vezes fiquem trancados do lado de fora.

As pesquisas sugerem que quem está de fora precisa de pelo menos um de dentro que esteja disposto a atestar suas idéias ou habilidades. As análises estatísticas revelaram que os críticos estavam mais propensos a elogiar os artistas periféricos do que os iniciados. Por outro lado, os pares da indústria são mais propensos a favorecer seus colegas insiders. Do ponto de vista de quem está de fora, isso significa que uma estratégia eficaz para ganhar tração é identificar um público - uma pessoa ou grupo de pessoas - que tem afinidade cognitiva ou emocional com quem está de fora ou com suas ideias (bem como a credibilidade que geralmente falta ao de fora).

O início da carreira de Steve Jobs é um bom exemplo. A indústria de capital de risco repetidamente se recusou a apoiar seu projeto, mas Jobs continuou em busca de um público receptivo. Finalmente, ele conheceu Mike Markkula, um jovem e rico engenheiro que viu potencial onde os investidores estabelecidos viam apenas bloqueios de estradas. Ele fez o primeiro investimento na Apple Computer. Por que Markkula apoiou Jobs? Porque sua paixão por tecnologia e idade relativamente jovem lhe deram uma afinidade mais forte com Jobs e seu parceiro Steve Wozniak do que a maioria dos membros da comunidade de investimentos do Vale do Silício. E com Markkula por trás dele, Jobs tinha a credibilidade de que precisava para atrair mais talentos e dinheiro.

3. As "quebras no sistema" permitem a entrada de outsiders.

Quebras no sistema são eventos que geram estresse intenso no sistema ou práticas que desagradam diversas pontas da cadeia de valor. Na música, por exemplo, esses momentos de quebra acontecem após a morte de um grande artista. Um dos estudos reuniu um dos maiores bancos de dados de músicos, canções e prêmios musicais do mundo, bem como mortes repentinas de estrelas como Michael Jackson ou Prince. Independentemente do gênero, nos anos em que o sistema sofreu uma destas falhas, a probabilidade de um artista periférico ganhar um Grammy aumentou em quase 40%, enquanto a chance de um artista central o receber diminuiu em 24%. O trabalho do artista vencedor também tendeu a ter um estilo atípico em comparação com o de um ano mais comum.

4. Disrupção é um desafio de VENDAS que pode ser superado.

Depois de ser rejeitada por todos os principais veículos de publicação médica, a pesquisa revolucionária de Karikó foi finalmente publicada em 2005. Durante anos, no entanto, ainda recebeu pouca atenção, empresas farmacêuticas e fundos de venture capital não deram a mínima.

A maioria das organizações e setores estabelecidos tende a reproduzir a estrutura de poder e privilégio de grupos incumbentes, reduzindo as chances de pessoas de fora de fazerem ouvir suas ideias e provar seu valor. Mas a pesquisa sugere que quem está de fora não deve se intimidar: os próprios traços que tornam os de fora tão desfavorecidos dentro das estruturas ocupacionais e categorias profissionais estabelecidas costumam ser exatamente os mesmo traços necessários para a busca de realizações empresariais excepcionais em arte, ciência e negócios.

Frequentemente, o principal problema de outsiders extraordinários não são suas ideias, mas a venda dessas ideias, precisamente por causa de suas implicações disruptivas. Como o falecido Clayton Christensen observou em seu livro de 1997, The Innovator’s Dilemma, “a tecnologia disruptiva deve ser enquadrada como um desafio de marketing, não tecnológico”.

5. Paciência e disciplina são a única forma de vencer.

Não importa o exemplo que peguemos, se é a morte do Michael Jackson, a ascensão de Steve Jobs/Apple, Karikó ou nosso sonho grande na Adventures, tudo que é relevante e tem valor leva muito tempo para ser conquistado. Paciência e visão de longo prazo são chave para que tenhamos uma chance real de fazer a diferença no mundo.

Ao longo desta nossa longa jornada nunca se esqueça:

Nós não estamos certos ou errados porque a multidão concorda ou discorda de nós. Estaremos certos se nossos dados e nosso racional/tese estiverem corretos.

Sonhem grande, mirem o infinito e pensem de forma independente. Faremos coisas incríveis juntos ao longo das próximas décadas.

Rapha